Brasil vive onda de linchamentos e especialistas alertam para riscos
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O linchamento no Brasil voltou a ser destaque em 2025, com um aumento alarmante de 64% em relação ao ano anterior, segundo dados divulgados pela TV Cultura. Isso significa que, em média, um linchamento ocorreu a cada dois dias no país, um retrato preocupante da escalada da violência e da perda de confiança nas instituições de justiça.
Os casos, frequentemente motivados por boatos, suspeitas infundadas ou crimes reais, mobilizam multidões que decidem “fazer justiça com as próprias mãos”. Mas o que muitos ignoram é que participar de um linchamento é crime e pode resultar em penas severas, variando de meses a até 30 anos de prisão.
O que a lei prevê para casos de linchamento
Embora o Código Penal brasileiro não tenha um artigo específico sobre linchamento, a legislação prevê vários enquadramentos criminais para quem participa, incentiva ou registra esse tipo de violência.
Segundo o advogado criminalista Bruno Sader, os envolvidos podem ser responsabilizados por diferentes crimes, como lesão corporal, associação criminosa, incitação ao crime e até homicídio qualificado, dependendo das circunstâncias.
Principais enquadramentos legais:
- Lesão corporal (art. 129):
Quem agride a vítima pode responder por lesão leve, grave ou gravíssima. As penas vão de três meses a oito anos de prisão, conforme a gravidade das lesões. - Incitação ao crime (art. 286):
Convocar ou incentivar publicamente um linchamento pode gerar pena de três a seis meses de detenção. - Apologia ao crime (art. 287):
Gravar e divulgar vídeos exaltando o ato violento também é crime, com pena de três a seis meses de detenção. - Associação criminosa (art. 288):
Quando três ou mais pessoas se unem para praticar o linchamento, mesmo sem consumá-lo, podem responder por um a três anos de prisão. - Exercício arbitrário das próprias razões (art. 345):
“Fazer justiça com as próprias mãos” é crime, punido com 15 dias a um mês de detenção ou multa, podendo ser agravado em caso de violência.
Quando o linchamento resulta em morte
De acordo com a criminalista Vanessa Avellar Fernandez, o linchamento pode ser enquadrado em outras leis, dependendo do contexto. Se houver tortura, aplica-se a Lei nº 9.455/1997, com penas de 2 a 8 anos de reclusão, podendo aumentar se a vítima for criança, idoso ou pessoa com deficiência.
Nos casos em que a vítima morre em decorrência das agressões, o crime passa a ser considerado homicídio qualificado (art. 121, §2º do Código Penal), com penas de 12 a 30 anos de prisão.
“Quando o homicídio é cometido de forma cruel, com motivo fútil ou impossibilidade de defesa da vítima, o que é comum em linchamentos, a Justiça tende a aplicar penas mais severas”, ressalta a especialista.
Gravar e compartilhar linchamentos também pode gerar punição
Registrar um linchamento não é crime em si, mas a forma como o vídeo é utilizado pode ter consequências legais sérias.
O advogado Arthur Richardisson explica que divulgar o vídeo para enaltecer ou justificar a violência configura apologia ao crime. Em alguns casos, a postagem pode ser interpretada como incitação ao crime, se incentivar novas agressões.
Além disso, existe o risco de omissão de socorro, caso a pessoa que grava o vídeo possa ajudar ou chamar as autoridades, mas não o faz.
Na esfera civil, familiares da vítima podem acionar judicialmente os responsáveis pela gravação e divulgação, solicitando indenização por danos morais e materiais.
Cultura da “justiça popular” e o papel das redes sociais
Especialistas apontam que o crescimento do linchamento no Brasil está diretamente ligado à desinformação e ao uso irresponsável das redes sociais. Vídeos e boatos se espalham rapidamente, inflamando comunidades inteiras e levando pessoas comuns a atos de extrema violência.
Casos recentes mostram como a viralização de fake news tem levado a tragédias. O fenômeno reflete uma crise de confiança nas instituições públicas, em que parte da população sente que o sistema de justiça é lento ou ineficaz.
“As redes sociais se tornaram um catalisador para o ódio coletivo. Quando um boato se espalha, a reação emocional é imediata e, em minutos, pode se transformar em tragédia”, afirma Sader.
Como evitar novos casos
Para conter o avanço dessa prática, especialistas sugerem uma combinação de educação digital, conscientização jurídica e resposta rápida das autoridades.
Entre as medidas recomendadas estão:
- Campanhas públicas de conscientização sobre as consequências legais;
- Fiscalização mais rigorosa das plataformas digitais;
- Melhor preparo das forças policiais para agir em situações de aglomeração violenta;
- Incentivo à denúncia anônima e canais seguros de informação.


